quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Silêncio

... e agora as tequillas davam um ar da sua graça acentuando a sensação de desequilíbrio que era já tão evidente. Não sentia frio nem cansaço e apesar da energia, sentia-se a mover em câmara lenta, personagem principal num filme mal focado e mal iluminado. Fez mais uma pausa e olhou para ele, mais acima na rua íngreme. Ele subiu ainda mais uns passos, até que percebeu que ela parara, outra vez, no meio da estrada. Parou também e observou-a, estático. Ela tentou perceber em que é que ele pensava mas não conseguiu adivinhar o que lhe passava pela cabeça. Não viu um sorriso nem um ar de reprovação. A sua expressão era neutra, o seu olhar demasiado enigmático.
Nesse instante os faróis de um carro a aproximar-se iluminaram as fachadas dos prédios perto de si e ele subiu para o passeio. Ela não se mexeu. Não conseguia perceber de que lado o carro vinha e estava a tentar decidir para que lado se desviar. Sentiu o motor a aproximar-se e começou a transpirar. O seu instinto de perigo bloqueou o raciocínio e a sua cabeça inundou-se com um flash.
Ele correu para ela, puxou-a por um braço e encostou-a a um dos muitos carros estacionados naquela rua. Nunca lhe largou o braço e deixou-se estar encostado a ela. Foram apenas segundos.
Sem uma única palavra, ainda em silêncio, ele largou-a e afastou-se, recomeçando o andar.
Ela não deixou. Instintivamente, agarrou-o por um braço, da mesma forma que ele a tinha agarrado a ela.
Fixaram-se. Olhos nos olhos. E no silêncio da madrugada fria, aquele olhar que dizia tudo era tão dolorosamente vago. No seu íntimo os dois desesperavam em busca das palavras certas, mas sem sucesso. Desconheciam que naquele momento não existia uma única palavra que fosse a correcta. O silêncio preenchia todos os espaços vazios. O brilho dos seus olhos era suficiente. Tudo o resto era supérfluo. Cada um dentro de si, ainda lutando contra a verdade, procurava uma resposta, uma atitude a tomar. Lutavam por uma qualquer ideia sobre o que fazer a seguir, algo que conseguisse preencher o silêncio sem o estragar. Nenhum se atreveu a abrir a boca. Nenhum deles mexeu um músculo. Deixaram-se estar. Lutando contra si próprios, sozinhos no mundo. Ambos se esforçavam por dizer tudo o que sentiam e em que pensavam através do olhar que os prendia ali.
Uma luz etérea voltou a iluminar a fachada dos prédios. A noite quebrou-se em pedaços de cristal negro. A ligação desfez-se. O momento morreu.
Olharam o chão e prosseguiram o seu caminho, com o silêncio ainda a preencher todo o espaço entre eles.

1 comentários:

UmJosé disse...

Espero que a primeira parte não seja auto-biográfica e se for que a segunda tenha acabado melhor ;)

muito bem (d)escrito