segunda-feira, 24 de maio de 2010

Restart...

O ser nasceu, cresceu, morreu. Tinha feito tudo como lhe tinham mandado os funcionários do guiché das repartições de novas almas. Seguiu todas as indicações e conselhos dados antes de sair disparado da vagina de sua mãe. E agora estava ali especado, numa fila interminável para aquisição de novo corpo. Tinha acabado sozinho, morto numa cama de um lar qualquer, abandonado pelos filhos, sobrinhos e netos. Da outra alma que o acompanhou na sua primeira vida nunca mais ouviu. Havia transitado de estado há tempo demais e se tivesse adquirido um novo corpo até já devia estar a meio da sua adultez.
E vai daí talvez não que isto de adquirir um novo corpo é coisa que demora e a fila parece nem andar. Estava ali parado há quanto tempo, mesmo? Bom, a bem ver já nem se lembrava de há quanto tempo tinha morrido! E tinha sido a sua primeira morte, imagine-se! É coisa digna de ser memorizada!

Olhou para as almas que tinha à frente. Que monotonia. Todas iguais, coisas incorpóreas sem uma forma definida, todas partilhando a mesma falta de tom, a mesma falta de cor, a mesma... coisa indescritível que faz com que uma alma seja uma alma. E estavam todas tão caladas. Se pensasse bem nem sabia se as almas podiam de facto falar.
Suspirou (ou fez o equivalente para uma alma) e voltou a focar-se nos seus pensamentos.
Morrer não tinha sido assim tão mau. Quer dizer, morrer sozinho e abandonado foi, mas passar de um lado para a porta não tinha sido, de todo, desagradável! Assim que o seu corpo fechou de vez os olhos do outro lado, a alma foi encaminhada para uma salinha cor de carvão onde todos os desígnios da Vida eram explicados. Pesquisar pelos seus arquivos era, obviamente, facultativo. Mas já que se ia esquecer de qualquer maneira de todo a Vida anterior e de toda a fase de transcendência, porque não dar uma olhadela. E o que viu deixou-o abismado.

Éons pareceram passar antes de chegar a sua vez. Vogou em frente (porque as almas não andam) e entrou na nova saleta. Daqui para a frente era fácil, sofria-se uma lavagem e estava-se apto a ter uma nova vida. E assim foi.

Assim que os funcionários do guiché da repartição de atribuição de novos corpos abriram o alçapão a alma fechou o equivalente aos olhos e deixou-se levar, deixou apagar tudo o que trazia dentro de si, toda a preocupação, toda a comoção, toda a memória...

E eis que chega o momento em que os olhos do corpo se abrem pela primeira vez. E assim que percebe quem o carrega, a última memória da alma deixa de existir. Pois quem o trazia aos braços era o corpo da alma que a primeira vez o acompanhou.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Spoiler: ela morre.

Ali só existia luz e alegria, o seu riso ecoava e dava-lhe energia para mais. Dançava e brincava, possuida por uma liberdade a que não sabia dar valor. A sua imaginação criara uma realidade perfeita o suficiente para a enganar. Brincava sozinha imaginando amigos nas sombras e reflexos dos espelhos que limitavam a sua existência.
Um dia, a área pré-frontal do seu cérebro desligou-se e ela percebeu que estava presa na imagem que tinha criado do mundo. Olhou à sua volta e viu o seu próprio reflexo nos espelhos, olhou a imagem da realidade que tinha criado e chorou por ter vivido tantos anos enganada na sua mente fértil e infantil. A revolta inundou o seu espírito e num acto de desespero quebrou todos os espelhos com os punhos cerrados. O sangue de menina inocente pingava e manchava o vestido branco. O cabelo despenteado colado à cara pelas lágrimas dava-lhe um ar de louca, a imagem assustava-a e num novo impulso quebrou o resto dos espelhos. No fim, quando à sua volta jaziam apenas cacos, respirou fundo e sorriu ao ver o novo mundo que tinha para viver.
Rapidamente percebeu que neste mundo a luz era escassa, bem como a alegria e que raras vezes o seu riso ecoava. Os amigos não eram de fiar e havia sempre segundas intenções por detrás de cada atitude. Estava presa a um novo mundo, um que não podia controlar e um de que não podia fugir. Arrependeu-se de ter quebrado as paredes que a protegiam da realidade, desejou poder voltar atrás, chorou e pediu a quem passava que a ajudasse a voltar a ser a pessoa que era antes. Correu suja e descalça pelas ruas e gritou assustada ao deparar-se com novas aterradoras realidades. No auge do desespero, perseguida pelas sombras que vivam na sua mente, não viu o fim do molhe onde rebentavam as ondas violentas e segundos antes de perder a vida, respirou fundo e sorriu,  tinha encontrado a calma e o silêncio.

domingo, 2 de maio de 2010

O Monstrinho das Bolachas

Era uma vez um Monstrinho muito guloooso! Ele só pensava em comer. Um dia, aquele badalhoco deitou a casca da banana para o chão depois de a devorar em 3 dentadas quando a mãe ia a passar. Conclusão: PUM!, a mãe caiu no chão.
- Aiaiaiaiai!
- Que foi, mãezinha?
- Tu sabes bem o que foi, seu porcalhão! Deixaste a casca da banana no chão e agora eu caí... Logo hoje que tinha tantas bolachinhas para levar ao concurso!
- Oh mãezinha, desculpa! Eu levo as bolachas!
- Não levas nada que guloso como és comias tudo pelo caminho.
- Prometo que não como nem uma!
- Está bem, mas se comeres uma que seja ficas de castigo!


E lá foi o Monstrinho com o cesto das bolachinhas. Pelo caminho deu-lhe a fome:
- Ai que fominha!!! Mas prometi à mãezinha que não comia nenhuma bolachinha... Vou contar flores para me distrair!
*uma florzinha, tralala; duas florzinhas, tralala, três florzinhas, tralala*
- Ai que fooome! Mas tenho de resistir..
*uma florzinha, tralala; duas bolachinhas, tralala*
- Pronto, como só uma! A mãezinha não precisa de ficar a saber.
*crunch crunch crunch*
-Só mais outra! E outra. E outra.....


Quando deu por ela, o cesto estava vazio. O Monstrinho tinha comido tudo!
- E agora, o que faço? Se a mãezinha sabe fico de castigo... E agora? Não vou contar nada.
O Monstrinho foi para casa, muito triste e preocupado. Quando chegou estava cheio de dores de barriga.
- Seu guloso! Dói-te a barriga porque comeste as bolachinhas todas!
- Oh, mãezinha, desculpa! Mas tinha tanta fome...
- Mentiroso! Comeste uma banana e um pão com manteiga antes de saíres, como é que tinhas fome?
- Mas mãezinh...
- Já para o castigo!

(Agora havia mais 3 ou 4 linhas de história mas adormecia sempre antes do fim. E certos pormenores estão ao lado devido à carga de sono que me inundava o espírito depois das 21h)

Moral da história:
Não se desobedece ao papá nem à mamã. Eles é que sabem o que é melhor para nós.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Duas cópias, três vezes os verbos, cinco vezes os erros e dez contas de somar. Tantos trabalhos de casa para as férias...! Até parece que a professora tinha medo que ele se esquecesse de ler ou contar. Ele não era burro e até era o melhor aluno a Estudo do Meio! Mas também gostava de jogar futebol nas férias e de brincar com os vizinhos na praia, e com tanto trabalho de casa não ia ter tempo de fazer as coisas de que gostava. Não, isto não estava nada bem. Arrumou a mochila dentro do armário para a mãe não ver que havia trabalhos de casa e foi para a rua brincar.



Era o primeiro dia de férias e ele não parava quieto. Só queria correr e brincar com os amigos. Até tentou esconder a mochila dentro do armário. Não se ia escapar aos trabalhos de casa, claro. Um miúdo de 7 anos não sabe mais que a sua mãe e claramente não vai saber ler e escrever em Setembro se não continuar a praticar nas férias. Mas por outro lado, só tem 7 anos...
Hoje vai brincar o dia todo e aproveitar o início do Verão. Só hoje.
Só hoje...
Hoje é mesmo um bom dia para sair à rua e brincar na relva fresca, sentir o ar quente na pele, parar e olhar para o céu azul como se não existisse nada mais bonito no mundo...
Era tão bom se hoje, só por hoje, não existissem burocracias e responsabilidades oficiais.

Hoje, só por hoje, o dia não teria desilusões.
Correu, pegou nele e foram brincar para o jardim.