sábado, 18 de julho de 2009

Pop goes the weasel

Acabara de se escapar outra vez para o seu mundo privado, a sua Boo'Ya Moon como lera algures num livro, o seu mundo escuro, frio e por vezes arrepiante. Porque não refugiar-se entre borboletas e fitas coloridas? Tinha percebido que por mais assustada que se sentisse qualquer outra pessoa sentiria pavor perante a ideia de entrar ali, o que a reconfortava e lhe dava motivação para continuar a ter esta floresta como primeira opção. A promessa de silêncio e calma era neste momento a força que a levava a dar um passo depois do outro e a necessidade de tempo e espaço impediam longos raciocínios.
Entretia-se esta noite como em todas as outras: de pernas cruzadas à beira do lago pegava nas pedras perto de si e atirava-as para o centro do remoinho. Por vezes molhava o dedo ao de leve na água escura e pobremente iluminada pelo luar. Este lago assemelhava-se a um buraco negro e parecia sugar a luz e o barulho.
Adorava este sítio mas desde há umas noites que, apesar de se sentir protegida das preocupações do dia, se sentia vulnerável a uma força inexplicável que surgia com a lua. Hoje tinha a certeza de que o seu mundo privado albergava um intruso. Ouvia risos histéricos vindos de longe.
Hoje ouvia-os mais perto. Hoje ele corria em círculos à volta do lago, escondido por entre a erva alta e atrás das árvores. Por vezes aproximava-se mais provocando-lhe arrepios gelados. Sentia o pânico a aparecer dentro de si. Aquele já não era o seu mundo. Ele estava ali apenas para o provar.
Corria cada vez mais rápido à sua volta e o seu riso era cada vez mais feliz e cada vez mais alto. Cantava, agora.
"All around the cobbler's bench the monkey chased the weasel..."
A água do lago girava rapidamente acompanhando o seu ritmo cardíaco. Atrás de si surgiu uma sombra. Sentiu uma respiração ofegante no seu pescoço e a voz tornou-se um sussurro aos seus ouvidos.
"... the monkey thought 'twas all in fun..."
Fechou os olhos e susteve a respiração. A voz já não era mais que um murmúrio.
"... pop goes the weasel!"
Ouviu a gargalhada, sentiu as mãos a atirarem-na para a água e soube nesse momento que tinha sido expulsa do seu próprio mundo. Não resistiu à força da água. Não valia a pena.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Chuvas

Trovejava o céu acima das suas cabeças, despejavam-se as nuvens sobre as suas frontes, caía o desespero sobre os seus corpos, o cansaço abatia-se sobre as suas mentes. Haviam sido dias, semanas de luta constante, uma luta descomunal de constante reconstrução e destruição. E nenhum dos dois cederia. Acabaria primeiro o tempo antes de um deles cair, findaria o espaço antes de um deles desistir. Entre os dois apenas o vazio, a distância de uma luta travada. Pedaços de dor encontravam lugares nos seus corações, lugares de dor albergavam pedaços de luz.

Mas a luta havia findado e a única coisa que agora lutava eram os seus olhos, as suas vontades.

Viraram costas um para o outro e seguiram o seu caminho. E agora não era apenas o céu que chovia. Não era só o céu que bradava.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Laranja-poente

Era uma vez um montinho de lama, lodo e algas podres, disforme e mal-cheiroso. Era um agregado nojento de matéria em decomposição, um lar agradável de bactérias e fungos patogénicos e um iman eficaz de mosquitos infectados e insectos asquerosos.
Movia-se pelas ruas, espalhando o caos, o fedor e a sujidade. Entupia vias, bloqueava soluções e impedia pensamentos.
Ninguém poderia prever que este lixo era um ser vivo capaz de elaborar raciocínios por isso ninguém percebia porque é que ele, sem hesitação, depois de ter atravessado a cidade de uma ponta a outra, mergulhava no rio.
Não demoraram a perceber que a água que recebia aquele monstro nunca mais seria a mesma. O que eles nunca iriam perceber era como é que uma raposa tinha saído tão limpa de dentro daquela água.
Por razões do destino a única pessoa a ver essa raposa foi a criança do vestido vermelho, cabelo preto e ar triste a quem ela pertencia. E ela percebia perfeitamente tudo o que se tinha passado nessa tarde. Abraçou a raposa, contou-lhe um segredo e voltaram ao início.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Névoa

Preso à cadeira, o corpo já não lutava. Tinha perdido toda a vontade, toda a esperança, o seu mundo tinha ficado de pernas para o ar. O seu cativeiro durava à pelo menos doze horas, durante as quais Ele se alimentava, Ele se aliviava. A pobre garota já não sabia o que fazer, o que dizer. Era este monstro o seu namorado?
Ela lembrava-se do início da relação... da corte tímida dele e dos seus gestos envergonhados. No final tinha sido Ela a convidá-lo a sair. Tempos áureos... Tinham sido felizes, tinham sido um casal, mais que isso talvez, tinham sido Um.
Mas agora Ele revelava o seu lado sombrio. Um lado mais escondido que a poucos se revelava, e pelos vistos os que o viam não ficavam para contar a história dele...
E as forças delas esgotavam-se. O sangue escorria-lhe pela cara proveniente dos dois longos cortes que Ele lhe tinha infligido na testa e por baixo do olho. O cansaço apossava-se-lhe da mente como uma névoa morna... A dor deixava de existir. Agora só cansaço. Cansaço e paz. A morte estava próxima. O seu derradeiro suspiro.

e o Silêncio.