quarta-feira, 18 de março de 2009

Dream on, girl.

Era de noite e custava-lhe a respirar. Inalava mas o ar não entrava. A atmosfera estava pesada, como que adivinhando uma tempestade mas o céu estava limpo e estrelado. Talvez fosse o calor a provocar essa sensação. Não tinha a certeza mas sentia que as coisas não estavam de todo normais. Avaliava com atenção o céu quando a interromperam.
- Acorda! É Queima!
(Queima...? Mas estamos em Março...!)
- Queima?
- Sim! Primeira semana de Maio, alô! Já não era sem tempo...!
(Maio? Mas ainda ontem era dia 17 de Março...!)
Estava perdida e não conseguia perceber nada, mas era Queima por isso fez o seu maior esforço para esquecer a inquietação que a controlava e obrigou-se a entrar no espírito. Tudo isto tinha o seu Q de louco e não era o comum Q de Queima nem a loucura alcoólica do costume. Parecia um filme realizado por um psicopata.
Estava na Praça, encostada à montra da farmácia, a tentar encontrar algum sentido. Entendia que era o dia do cortejo mas tudo o resto não batia certo. Era de noite e ninguém estava trajado. Além disso não deviam estar nem cem pessoas na Praça. Ainda assim deixou-se estar. Tudo isto devia ter uma explicação mais ou menos lógica. Ao fundo, na rua em frente, ouviam-se vozes e cantares característicos da ocasião.
- Vem aí o primeiro carro! - exclamou alguém ao seu lado.
(Qualquer coisa aqui está muito errada... Este silêncio... é estranho!)
O que vinha a descer a rua não era um carro alegórico. Nem sequer era um carro. Era uma plataforma. Uma simples plataforma construída com bocados de madeira velha, carregada por dez ou vinte pessoas enquanto um outro alguém sentado nessa estrutura bizarra fazia brindes com a atmosfera.
Esta imagem era inexplicável e deixou-a estática. Não estava à espera de algo assim. À sua volta havia explosões de espanto e raiva.
(Será que finalmente isto começa a fazer sentido?)
Tudo o que vivia era absolutamente assustador mas para os seus vizinhos na assistência o problema era outro.
- Mas afinal que curso é este?
- Não é curso nenhum...! Não havia pessoas suficientes... Estes são os estudantes que existem actualmente...
- Então e as flores no carro?
- Não havia dinheiro. Houve desfalques por parte da reitoria. A universidade está falida.
- O quê?
O públixo insurigia-se violentamente perante esta informação aparentemente desconhecida até então. Ela encolheu-se mais contra a montra da farmácia e desejou sair dali. Gerava-se à sua volta um ambiente tenso em que olhares e gestos ameaçadores se multiplicavam e espalhavam rapidamente. Isto não ia acabar nada bem...
(Tenho de sair daqui!)
Deu um salto na cama. As persianas abanavam ruidosamente com o vento forte que soprava lá fora. Viu as horas. 5.58 am. Ainda podia dormir mais um grande bocado. Que sonho estúpido...!
(Tu-ru-ru-ru-ru-ru-ruuu...)

domingo, 15 de março de 2009

Quando a cabeça não tem juízo...

Era uma bela colina. Um daqueles pormenores numa paisagem que ninguém pode ignorar. "Verdejante", diriam os autores de escrituras complexas e demasiado intelectuais que estripariam o sentido de uma boa paisagem (algo para se ver, não para se ler). Mas sigamos ao que nos traz aqui: conhecem aquela estúpida expressão de que "vão rolar cabeças"? Uma expressão um pouco patética diria eu... Ainda assim, e ironicamente estava mesmo uma cabeça a rolar colina abaixo. Era uma cabeça de alguém, isso era certo e seguia entretida numa corrida colina abaixo. Quem olhasse para a cabeça não diria que estava divertida, talvez pelo esgar de dor do anterior dono eternamente capturado num amontoado de músculos e ossos ou talvez porque (diriam os mesmos autores) uma cabeça por si só não tem com que se divertir. Finalmente livre dos tendões que a prendiam ao corpo idiótico de um humano apático e algo anafado, estava feliz (na medida em que uma cabeça é capaz de estar feliz quando separada do corpo, o que vendo bem, ainda é alguma coisa.)

As crianças no parque infantil olhavam divertidas para aquilo que parecia uma bola disforme a saltitar campo fora, colina abaixo. Os adultos que olhavam pelas crianças discutiam a irresponsabilidade de se deixar uma bola rolar e saltitar colina abaixo. Imaginemos por momentos o que pensariam se soubessem que era uma cabeça...

À medida que ia ganhando velocidade, a cabeça pensava na antiga vida que tinha tido. Não tinha sido nada de especial, uma vida normal (pelo menos até ter sido degolada) mas agora era uma cabeça livre, uma coisa rara nos dias de hoje, essa coisa de se ser livre... A colina parecia estar a terminar. Um ressalto depois estava agora no meio de uma auto-estrada, a saltitar entre bermas. Segundos depois lá parou. Mesmo no meio de uma faixa.

O camionista ia despreocupado. A carga estava bem posta e estava a conseguir cumprir o horário.

A cabeça viu o monstro metálico aproximar-se
O camionista viu o objecto estranho no meio da estrada.
A cabeça pensou "FOOOOGE!" mas as pernas não se mexeram.
O camionista analisou melhor o que lhe parecia seu um obeso animal
"Merda, as pernas ficaram com o corpo."
"Espera lá! Aquilo é uma cabeça!"

SPLHERGHSH

Se calhar ser uma cabeça sem corpo não é assim tão bom...