sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

"Avance até à casa de Partida"

Permeava-lhe os olhos uma larga camada de lágrimas, daquelas que fazem os olhos vermelhos, inchados e que cansam as pálpebras. O seu esforço para não chorar era quase hercúleo. Não queria desfazer-se em mil pedaços cristalinos em frente deles. Não o mereciam.
Já há muito que não tinha uma tão súbita vontade de chorar assim. Lembrava-se da primeira vez, de quando o seu pequeno peixe dourado havia fugido cano da sanita abaixo; e da última vez, quando proferira a derradeira despedira da sua mãe. Das duas vezes fizera o mesmo que fazia agora: mostrar-se impávido e sereno como quem descasca uma cebola e não quer parecer fraco. Mas desta vez era diferente, desta vez sabia que não teria mais um momento só, que o seu desespero seria mais tarde ou mais cedo revelado. Os olhos pesavam-lhe. Da dor, do sono, do peso da vida, do medo...
Olhou em seu redor. Das outras quatro pessoas que ali estavam apenas três estavam em pé e vivas. A quarta, inerte no meio do chão, já partira há minutos. Tinha sido uma boa vida, teria boas memórias para partilhar se ao menos o pudessem chegar a ser.
Dos três que estavam de pé apenas um o mirava. De olhos vivazes e de estatura mediana, o jovem estava visivelmente assustado. Principiante.
Dos dois que não o miravam apenas um trazia a pistola de fora. Desconfiado.
O que restava remexia violentamente as caixas para encontrar o que procurava no sítio que lhe indicara. O veterano.


Um abafado "A-ha!" ecoou pela morta sala. A caixa de Monopólio foi puxada de debaixo de uma panóplia de jogos de tabuleiro e foi posta numa silenciosa mesa. A tampa foi parcimoniosamente aberta e num misto de excitação e horror o veterano esgazeado voltou-se para o homem prostrado no chão.

"Perguntaste pelo dinheiro, e eu disse que não o tinha. Tornaste a perguntar, disse-te que o dinheiro que tinha estava na caixa de Monopólio" foram as suas últimas palavras... O estampido parecia-lhe ter-se feito ouvir já à muito mas continuava a chorar. Os pequenos cristais que lhe rolavam pela face pareciam inundar-lhe os pulmões.Voltou à posição fetal e continuou a chorar durante o que lhe pareceram ser meses.

Quando voltou a abrir os olhos chorou de goelas abertas, como se disso dependesse a sua vida. Grandes e fortes mãos carregavam-no para um lugar mais terno, para o colo da sua mãe.

3 comentários:

Salomé Gonçalves disse...

Gosto de peixes que fogem pela sanita! :D

Gostei da história,sim! Apesar de...triste! =)

Beijinho*

Luís Mendes disse...

Belo texto!

Anônimo disse...

Eu sou estúpida e não percebi o fimzinho. Mas agora que me esclareceste posso comentar:
Escrito com um tremendo bom gosto :)

Laura