sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O caçador

(para ler ao som disto)

A faca retinia no osso como um badalo de um sino. Movimentos artísticos manchavam, marcavam e sujavam. Corte a corte a vítima esvaía-se. Uma dança descompassada de braços e mãos trouxera o horror a um pobre corpo onde antes existia uma Vida. Não tinha sido um morte violenta. Não tinha sido sequer excitante. Apenas uma saciação funesta de um desejo. Não era sexo, não era droga, era melhor. Era o calor, o cheiro, o sabor férreo do sangue. Algo que não conseguia descrever. Um impulso, uma obsessão. Mas ainda assim, o que o mais excitava não era o sangue, não era matar, não era o doce som do gorgolejar do sangue a acumular-se onde antes estava uma traqueia. Era a caça. A procura incessante de um alvo frágil, de um esboçar de um movimento de fraqueza e permissão.

Na rua as horas passavam como se o tempo se apressasse para chegar a algum lugar...

Retalhara o corpo até se desfazer numa papa escarlate e branca. Desfizera-se no seu próprio prazer. Descansava agora prazenteiramente sob as cobertas de lã. Quem para si olhasse diria tratar-se de um anjo, de louros caracóis e de pálida tez. De traços simples e atractivos era o deleite de olhares menos prudentes. O único defeito que tinha era o interior. O pequeno demónio alojado no seu corpo. Mas nos seguintes dias poderia descansar, ele e a cidade... Mas dentro de menos uma semana estaria de volta às ruas. Um caçador, precisa afinal de caçar.

3 comentários:

Salomé Gonçalves disse...

Tão fixe! Gostei da maneira como contaste... Consegui imaginar o cenário e a cara dele ao "caçar"...

Mas agora tenho medo de ficar sozinha contigo... =P

Rita Graça disse...

Fixe. Pavor a people com ar angelical. Obrigada Zé!




Gostei. :)

mel.e.drama disse...

Adorei a conjugação :)
Está curto mas mais que bem construído !