sábado, 25 de abril de 2009

O bicho papão

Escondido debaixo das mantas, o menino aguardava. Envolto em medo o petiz esperava. O peso dos cobertores era um conforto. Lá fora, fora da cama, isto é, o quarto repousava no escuro. Lá fora, fora das quatro paredes, o vento rugia, os ramos das árvores batiam nos vidros (como num cliché de um desesperado filme de terror sem audiência). O tempo não estava para brincadeiras e a tempestade parecia avizinhar-se.
O garoto tremia, receoso, do papão que o viesse buscar. O papão, bicho mitológico de estórias desaparecidas que se parecia alimentar de carne de crianças inocentes, e garotos mal-comportados. O medo, mais que irracional era desnecessário pois se era de crianças que o papão se alimentava, este rapaz não tinha nada a temer. Criança era coisa que já não era ou pelo menos pensava não ser Estava naquela fase da adolescência, a incerteza e a insegurança toldavam-lhe o rumo a tomar, e o menino parecia perder-se cada vez mais nos seus medos. Mas esquecendo a idade do alvo, o gaiato tremia nervosamente, sentindo um tal pânico com nunca tinha sentido, destrutor de toda a possível razão. Resolveu aguardar e a ansiedade lá baixou. Necessitava de ajuda, companhia. Habituado a que lhe aquiescessem aos pedidos, resolveu sair da cama e dirigir-se ao salão na senda de um criado, a governanta ou mesmo o velho mordomo lhe fizesse companhia.
Pé ante pé, na semi-obscuridade, o garoto lá ia indo sem muito medo. Dez passos volvidos e o temor parecia descer. Ao fim do corredor, o medo parecia ter-se evaporado. Eis senão quando uma sombra na escuridão surge de um refugiado canto. O coraçãozinho a palpitar, a pele a suar, os membros do corpo a enrijecer e o miúdo já não saía do lugar. Estranhos rugidos gargalhantes pareciam assombrar a casa. Rangeres estranhos, suspiros abafados de quem não se quer excitar com a presa. Os olhos da criança brilhavam das lágrimas que lhe caíam. A sombra aproximava-se e não havia fuga. Chegava-se a ele como um estranho pano de seda: macio, leve e fresco... O terror apossava-se dos pensamentos do pequenino. O fim estava próximo.

Acordou no meio de sussurros e suspiros seus, encharcado no meio de suor. Estava seguro, estava a salvo, a manhã chegara. Atreveu-se a pôr os pés fora da cama. Nunca chegou a tocar no chão. Debaixo da cama esperava o comedor de crianças.

Porque meus petizes, não é no desconhecido que reside o desafio, não é do papão que devemos ter medo, não é do escuro nem dos ruído da noite... O medo não passa disso mesmo, medo.
O problema é quando nos deixamos tomar por ele. A criança não morreu obviamente. Apenas tropeçou num desterrado brinquedo e caiu de boca no chão. Ninguém o manda ser desarrumado.

2 comentários:

Rita Graça disse...

Estudar para as frequências dá nisto, não é? É.



Gosto.

UmJosé disse...

Pois é.